sexta-feira, 30 de maio de 2008

Fake Show


Texto publicado em 2005 - e agora revisado - no portal xiscando.com direcionado ao corpo discente de alunos de comunicação. O Xiscando é um blog que reflete sobre o mundo da propaganda e mostra o que acontece de mais atual no ambiente do marketing e da publicidade.


A propaganda divertida dos estudantes não vai dar muito resultado. Um número bastante razoável de estudantes ingressa – de modo fácil – numa faculdade com o propósito único: curtir a vida desesperadamente. O mesmo desespero os toma por completo diante do fato de egressar num mercado restrito, mal remunerado e exigente. Vamos ao ponto? Pois bem, há certo tempo atrás, a propaganda criativa pertencia a uns poucos malucos de hábitos noturnos, irreverentes e desachados na vida. Arquitetos, artistas plásticos, jornalistas e até alguns economistas se inscreveram na arte de publicar o negócio dos outros. E o faziam, naquela época, a peso de dólar. Tempos áureos? Não. A propaganda nunca movimentou tanto dinheiro quanto agora. Mas ao passo que a propaganda cresce os salários e remunerações dos valores dos serviços diminuem. Isso não é uma progressão aritmética ou geométrica, é, de fato, uma depressão geo-arit-mega-hiper-eça-métrica. A propaganda regionalizada nos pequenos centros amarga resultado ainda pior: muitos cursos, poucas agências, veículos caros e menos ainda coesão operária. Êta povinho desunido esses aventureiros publicitários. Para se ter uma idéia, nossa classe, aqui na Bahia, é vinculada a um sindicato que pertence aos radialistas. Nada contra os amigos radialistas, ótimas pessoas, excelente profissão. Mas é que uma coisa é uma coisa e outra...
Eu fico admirado com as falas de alguns alunos iniciantes nas searas propagandistas. Eu espremo, espremo, espremo e, no geral, apenas percebo um grande interesse: nota das avaliações e prazo de entrega dos trabalhos. Isso piorou bastante depois que o universo clueless entrou para a propaganda. Os corredores das faculdades não pertencem mais aos bichos-grilo de butique, roqueiros, neo-filósofos, artistas plásticos, militantes políticos, articuladores e inventivos. Pertencem atualmente, em grande parte, à galera do batom, da cópia, dos ambulantes, dos baladeiros, dos sex-appeals que ficam desfilando seus corpos esculpidos de deuses e deusas gregos. Tem aqueles que também são viciados em novas tecnologias e só vivem pra isso, afinal pra que serve tanto recurso no celular senão para que eu ocupe meu tempo. Vejo muita gente com tempo para 2, 3, 4 horas de malhação. Tri-atletas! Ops, será que estão na atividade certa? Vejo estudantes virando noite em baladas, e, nenhuma noite virada confabulando aquela campanha que foi passada como job lá no estágio. Já chegam, geralmente, nos estágios com cara de travesseiro, da mesma forma na faculdade. Péssimo. Esses “especialistas” acham ruim o fax. Mas será que sabem fazer algo melhor?
Outro dia um conhecido meu saiu da Propeg, estava lá há seis anos. Trabalhava como Diretor de Arte. Até hoje não entende por que o salário dele não aumentou neste período e também porque o tinham dispensado. Perguntei-lhe: “Zé, você sabe o que é ars nova? Sabe quem foi Jean Michel-Basquiat?”. Obviamente o nome dele não é Zé, e muito menos sabia o que significava esta modalidade artística surgida com o Renascimento e esse ícone dionisíaco da Pop Art. Como disse Bruno Tolentino: estamos cheios de inteleco-teco-teleco-tectuais. Sabem a execução de uma quebradeira, mas nenhuma que impressione o chefe, o diretor, o professor. Minhas críticas não são às pessoas, mas ao desleixo e à indiferença. A atividade quase vegetativa em relação à profissão escolhida.
Desde minha época de estudante percebo uma coisa: quem manda bem na faculdade, continua mandando fora dela. Outros assumiram a moda dos cruzeiros e estão a ver navios. Talvez porque ficaram com medo da água e não aprenderam a nadar. Metáforas à parte, ainda dá tempo de não perder o ritmo. Dizer que a propaganda é ruim ou mente é algo tão fácil quanto não trabalhar por realizar a diferença. Ela tem suas perturbações: exige sacadas rápidas, inteligência, bagagem e conhecimento, é aglutinadora, incita, comove, influencia. Mas é uma atividade como poucas que proporciona certas estesias – se não sabe o que significa “estesia” um Houaiss cabe bem agora. Agora, se não sabe o que é um Houaiss, me perdoe, mas desista de ler agora esse texto e vá bater um baba.
E são algumas das relações promovidas pela propaganda que ajudam a fazer o cotidiano das pessoas um lugar mais divertido pra se viver, embora ela traga a sua mentira e mascare a realidade a custa de ideais muito duros. Afinal, tem coisa pior do que desejar algo e não poder ter? Mas, onde está o lugar ao sol para aqueles que ralam, e ralam muito? Pode tardar mas não falha, há sempre um véu de oportunidade a ser descortinado quando menos se espera – mas este lugar existe apenas para aqueles que tem algo a dizer e a fazer. E nesse estradar vale a pena alimentar o ego e a cabeça. O primeiro para que você acredite em si, o segundo para que você mostre o porquê de se acreditar. Lembre-se que um trabalho braçal faz um estivador e não um formador de opinião. Portanto pare de ficar levando e trazendo recado no estágio, na faculdade, no trabalho. Procure agir, faça de verdade, pense, reflita, leia, não devore apenas o cotidiano do Uol e do Orkut, revire também o mundo dos impressos. Pode ser um outro universo para você, mas existe vida lá. No mais saiba se colocar porque o show deve continuar, e tão melhor ele será se for feito de verdade. Sem farsas.

7 comentários:

Larissa Gil disse...

Acredito que muitas vezes o capital de formação nem seja o motivo para os navegantes, conozco alguns “navegantes” da minha época, y lo sé que o motivo não foi esse, o que eles precisam entender é que tudo isso não passa de uma mistura do primeiro citado, com o Capital de relacionamento.
E não é dizer que se trata de um QI (Quem indica), mais da própria iniciativa e a segurança do potencial.
E a busca é essa mesma, a dedicação e esforço (devore livros, construa o hábito da curiosidade sana), "mais deve ser bem mais divertido" e prazeroso ir dançar arrocha ou Quebraê quebraê...
Veja bem Duda, o que eu acho que falta nas grades das universidades Brasileiras e principalmente na Bahia, além de muitas coisas, uma delas é a inclusão urgentemente de uma matéria chamada "estrutura social", as pessoas saem da faculdade sem ter o min. de noção das estratificações sociais e se tornam vitimas das suas próprias armas, nesse caso a Publicidade. falta muita noção do “habitus”(Bourdieu) etc e etc.
Para quem é aluno (a) de Duda, digo: escute seu professor, sei que com ele não existe professor faz que ensina e aluno faz que aprende, sábio será aquele que souber aproveitar o aprendizado do seu mestre.
E para quem não sabe o que é “estesia” recomendo a Alexander Baumgarten ou o próprio Kant. (Confesso que tive contato com essa palavra no ano passado;)
Sou sua fã!
Um grande abraço
Larissa Gil

Cris Teles disse...

Encontro sempre por aí algum Sr.(a) Verdade aconselhando-me abandonar o barco enquanto há salvação. Capitães que se norteiam por bússolas já enferrujadas e ultrapassadas, recomendam águas da juris[im]prudência ou da admini[extorsão]. Mas, legitimo o medo destes, haja vista a proliferação [parece praga] de projetos de publici[o]tários nas IES. Uma lástima.
Vergonhoso como sequer sabem fazer um simples cálculo matemático de multiplicar a extensão em meses do curso pelas mensalidades pagas, e perceber que ganha-se muito mais poupando a grana, do que sua possível projeção salarial devido a tamanha incompetência.
O texto do Xiscando revela a mais triste verdade da área de Comunicação nas Faculdades (ou Centros Universitários) Privados. Ali dificilmente encontra-se vida inteligente. E de “progressistas” só as chapinhas.
Concluo que realmente o mar não está para peixe. Está sim para enguias e tubarões. Enguias, cobras de mares frios que se alimentam de peixes mortos ou doentes. Ou talvez tubarões de olfato apurado e audição aguçada. Não existe fórmula para o sucesso. Existe sim o bom senso.

Duda Bastos disse...

Metáforas violentas. Gostei.

Tiago Rocha disse...

E aí, meu caro? Gostei do texto, essa apatia sexy precisa de tônicos e palavras frontais assim.

Onde tens lido o Bruno?

F.alô

Lara Cavalcanti disse...

É primo, pior deve ser seu papel de professor quando a maioria dos alunos não se interessam pelo seu conhecimento e sim pela nota que vc vai dar e pela data que vai marcar para entrega dos trabalhos. Deve doer... Mas, é ir levando da melhor forma sem perder a esperança de uma nova geração mudar um pouco. Bjokas e gostei desse post.

Lara Cavalcanti disse...

É primo, pior deve ser seu papel de professor quando a maioria dos alunos não se interessam pelo seu conhecimento e sim pela nota que vc vai dar e pela data que vai marcar para entrega dos trabalhos. Deve doer... Mas, é ir levando da melhor forma sem perder a esperança de uma nova geração mudar um pouco. Bjokas e gostei desse post.

Anônimo disse...

"Pertencem atualmente, em grande parte, à galera do batom, da cópia, dos ambulantes, dos baladeiros, dos sex-appeals que ficam desfilando seus corpos esculpidos de deuses e deusas gregos." :) que beleza de excerto.

Eu fazia muitas críticas a esse tipo de pessoas, não exatamente a elas, mas a comodidade que hoje impera. Eu não sou nenhum militante político, nenhum intelectual, muito menos um filosófo. Quero ser alguém em busca de conhecimento, que está em constante aprendizado com outros colegas que procuram o mesmo.

Eu parto das minhas inquietações, das minhas interrogações, dos meus questionamentos para se chegar a este conhecimento que menciono, a esta prática de estar sempre se atualizando, mas também de estar sempre buscando algo mais, algo novo.

Camus disse uma vez: “Sei-o, de ciência certa, que a obra de um homem não é outra coisa senão este longo caminhar para encontrar, através dos desvios da arte, as duas ou três imagens simples e grandes para as quais o coração, ao princípio, se abriu.”

É mais ou menos por aí. Caminhar para encontrar o que você deseja. Não faço o tipo intelectual, nem militante, muito menos o baladeiro ou o deus grego. Sou apenas eu mesmo atrás de respostas para as perguntas que tenho, isto é, no mínimo eu tenho tentado ser uma pessoa melhor do que sou hoje.

Abraços, Duda. Excelente texto, mais uma vez.