domingo, 6 de abril de 2008

Favelinhas Educacionais.


A pedagogia do dominante é fundamentada
em uma concepção bancária de educação.
Paulo Freire

Uma das coisas mais paradoxais que existe são Faculdades Privadas posando de societais. Leia-se: acudindo os pobrezinhos e marginalizados da sociedade com projetos de inclusão, reparação, instrução, formação, o que diabo for. É no mínimo falsidade ideológica. Mas existem projetos e projetos. Não quero dizer com isso que não existam trabalhos frutuosos ou sérios. As filantropias estão na moda, e, assim como esta, nem todo mundo sabe como usar.

Na verdade trata-se de grupos quase carnavalescos – docentes - que pleiteiam adesão de foliões/estudantes para os abadlomas ou diplomadás (uma adaptação grosseira misturando diplomas com abadás, aquelas indumentárias carnavalescas baianas). Montar um projeto desses é quase montar um bloco. Existe todo o aparato: mobilização humana e confecção de veículos e oportunidades - mas no final é só desfile. Tudo lindo, mas é apenas grito de carnaval. Aqueles outros – os pobrecitos de Jesus - gritam em seus vasculhos de desespero, clamando formação ocupacional e a continuidade desta, numa construção global de campos educacionais. É aquela história: todo menino do Pelô sabe tocar tambor, mas não sabe ler.

Quem financia a sustentabilidade desses projetos? As IES[1] particulares não o farão, mas bolarão o projeto. Mesmo as grandes empresas não sustentam suas criações, é só observar a situação do Liceu de Artes e Ofício da Bahia, enquanto patrocinado e abandonado por uma grande empresa que financiava sua pers-ex-istência [2]. Sabemos as crises dos últimos tempos: estudantes largados no meio de seus trajetos e professores e funcionários com salários atrasados.

A casa só cai onde o dono não anda.

Um grande banco também faz. Há 100 milhões de anos geram sustentabilidade na Cidade de Deus[3] com vários projetos educacionais. Mas é claro! Uma empresa de lucro bilionário[4] tem que fazer uma gracinha para justificar o poder de seus juros.

Daí diversos grupos docentes se organizam para posar de assistentes sociais com fins lucrativos. Tudo isso a fim de justificar seu compromisso e ativismo nas IES particulares onde ensinam. As IES por sua vez sentem-se palosas e elegantes por estar cumprindo com o seu dever. Sentem? Tal qual o padre com sua paróquia, o médico e seu paciente, o marido e sua mulher. A consciência empresarial – se é que existe – agora se processa no sono dos justos, típico dos que foram encostar a cabeça no travesseiro depois do dever cumprido. Será?

Paulo Freire não era um utopista. Imagino que neste momento se revire no túmulo. O que fizeram com a sua Pedagogia do Oprimido grita aos céus. Confundiram vocação social com vocação assistencialista, educação com esmolação. Distorceram tudo em prol de propaganda capitalística e eleitoreira. Trabalharam para soltar o homem, mas não o libertaram.


“O movimento para a liberdade deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade[5]".


Vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas que se disponha a transformar essa realidade. Trata-se de um trabalho de conscientização e politização. Esses trabalhinhos chamados de societais de algumas IES particulares servem apenas para colocar esse outro no lugar dele. Esse outro “pobre” é quase como um índio colonizado. No sistema bancário de Freire, uma vasilha para ser preenchida pelo conhecimento. Não dá pra lavar a vasilha. O coletivismo está mais para semelhança etimológica com a lotação do fim da tarde do que o sentido ético que representa.


Tão estúpido quanto tudo isso é o programa televisivo da Regina Casé. Aquele que aborda os favelados com o projeto de resgatar ou promover a cultura e artes desses agrupamentos extra-intra-sub-urbanos. Sim, porque a favela quase não faz parte da cidade, ela entra como um adereço igual aquele do carro alegórico da Sapucaí. Nisso as cidades brasileiras são exímias carnavalescas. Pelo programa da Regina parece que existe algum grau de desejabilidade ou conformação do Brasil com as favelas ou com a vida no subúrbio ou periferia imersa nos genocídios, tráficos, precariedade infra-estrutural , oficinas de desmontes, grupos de extermínio dentre outros podres. Mas a produção artística é pautada como linda e maravilhosa. Aliás, a apresentadora em seus coquetéis nada deve ter de suburbana, mas porque está no jogo da aparência, na sujeição do tosco, posa de líder comunitária fingindo que vive na circunstância do pobre.


Enquanto isso nas FDAPSM - Faculdades Deus me Acuda para Sobreviver no Mercado - se inventa (cata por aí) uma instituição carente pra poder ajudar. Quem sabe assim o pessoal olhe melhor e faça uma caridade de inscrição nos cursos ofertados. Resta apenas uma versão menos idiota do clamor carnavalesco: “bota o pé no chão...”.

[1] Instituição de Ensino Superior
[2] Trabalhadores do Liceu protestam nesta segunda. Disponível em: http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=843577. Acessado em 02 de abril de 2008.
[3] http://wikimapia.org/1247348/pt/
[4] O Bradesco registrou lucro líquido de R$ 4,007 bilhões no primeiro semestre de 2007, valor 27,9% maior em relação aos primeiros seis meses do ano anterior e o maior na história do banco para o período. Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2007/08/06/ult1767u99520.jhtm. Acessado em 03 de abril de 2008 [5] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo : Paz e Terra, 2000.

6 comentários:

Simone Cabral disse...
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Mila Botto disse...

Brilhante texto! Dos melhores que li por aqui. Nossa educação anda muito fragilizada e que bom que temos professores que pensam como você. Parabéns!

lia disse...

Professores fingem que ensinam. Alunos fingem que aprendem.
Uns fingem que lêem.
E outros fingem que escrevem.
A maioria finge que pensa.

Simone Cabral disse...
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Anônimo disse...

Os termos para o debate são diversos. Niezstche clama justamente o contrário. Está lá em Ecche Homo.
Para ele vale mais o ataque pela inteligência do que a piedade encharcada de bondade. Eu prefiro a coisa certa em sua hora.

Duda Bastos

Simone Cabral disse...
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