
O rosto brame rugas e ainda os cabelos, contorno branco do rosto, espelham perfeitos os setenta e poucos anos. Ao telefone, de pausa em pausa, respeitando o assunto, tranquilamente desmantela seus temas, e, daqui a pouco um poema interfere nossos campos falantes. Assim é um oco do tempo quando a conversa é com Gildes. Uma das melhores coisas da face da terra. Deveria existir um guia para isso assim como aquela publicaçãozinha dos “1000 lugares para conhecer antes de morrer”. Mas Gildes Bezerra, poeta mineiro, nascido na Paraíba e formado em Horticultura é um pequeno castelo para ser visitado. Seu principado de textos dá mais piedade e êxtase que literatura modalizada. Chego a ter pena do amor depois que este é vitimado por seus versos, chego a ficar sem graça depois de cada poema. Mas que final? Não acaba. E quando seus versos viram canções nas mãos de mestres cantadores! Nos´inhora!
Em 1999 ouvi o Cantigas de Abraçar[1]. Almanaque musical duplo e ontológico de Dércio Marques. Uma obra musical que torna possível múltiplas existências. No acervo do CD 3[2] canções que me apresentaram o texto de Gildes. Foram chaves que abriram outras portas da minha vida. Sem brincadeira. É uma face da língua portuguesa anexada aos sentimentos humanos burilada na forma artística e que respondem ao mais profundo de nossos interesses. Gildes é um artesão do belo, um modelador de sentimentos, um espelho para a natureza que está dentro e fora de nós. É perito em coração, saudades e luas.
(Gildes Bezerra)
A lua nasce do ventre de Minas
(Duda Bastos/Gildes Bezerra)
A chuva fina e um coração faminto
Corre o perigo de ser infeliz.
Um sonho embriagado de absinto
Canta o silêncio, porém nada diz.
Ai quem me dera que o sol chegasse
E iluminasse um coração faminto
E este ontem que, quando passasse,
Levasse a dor que dói e que eu não sinto.
E este amanhã que já não sei se existe
Não ilumina um coração faminto.
E a velha lua nova sempre insiste
Em pouco alumiar o labirinto.
Ai quem me dera morta a angústia viva
Que quando mais aflora mais se enfronha
Nessa descrença que se torna ativa
Quando se luta mais do que se sonha.
A poesia é muito difícil. É um dilema da percepção. Está aglutinada em compreensões complicadas. Nossas culturas não são irmãs da poesia, elas são irmãs dos balanços, da ginga do corpo. Para ler ou ouvir poesia é preciso tato e retrato. É como disse Gildes: precisa dois poetas, precisa um que escreve e outro que lê. Precisa do espírito de poeta, se transportar a um estado de poesia. E conta que Chico Buarque disse um dia: “se um artista precisa explicar a sua obra a alguém, um dos dois é burro”. Na minha opinião Gildes é simples. Não é poesia concretista ou lisérgica. Mas é insana. É amorosa e fotografa os campos culturais do Brasil e dos afetos humanos. Ele é simples porque transparece em poucas linhas certas complexidades da vida.
(Gildes Bezerra/Nestor de Hollanda)
[1] http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/artistas.asp?Status=DISCO&nu_disco=6422
[2]Ou... me ensine (Gildes Bezerra – Luiz Celso de Carvalho), Minas da lua (Gildes Bezerra) e Cânticos (Gildes Bezerra – Dércio Marques)
[3] Conheça Rubem Alves: http://www.rubemalves.com.br/
[4] Conheça Ivan Vilela: http://www.ivanvilela.com.br/
[5] Gildes tem músicas em co-autoria com: Amaury Falabella; Amaury Vieira; Arlindo Maciel; Cristina Diniz; Cylene Araújo; Clóvis Maciel; Dércio Marques; Fernando Salomon Bezerra; Gereba; Ivan Vilela; Kátya Teixeira; Luiz Celso de Carvalho; Marcos José Marques Machado; Marcos Leite; Ir. Miria Kolling; Nestor de Hollanda Cavalcanti; Pereira da Viola; Plínio Ribeiro Leite; Renato Kefi; Rubinho do Vale; Uíles de Morais; gravadas por: Ivan e Pricila; Grupo Sol; Clóvis Maciel; Luiz Celso e Jorge Murad; Déo Lopes e Paulinho; Pedra Azul; Rosane Reis; Rubinho do Vale; Lucinha Bosco; Dércio Marques; Saulo Laranjeira; Uíles de Morais; Pedro Lima; Pereira da Viola; Titane; Ruth Staerke e Laís Figueiró; Coral Madri’Art; Pe. Vanildo; Pe. Jonas Habib; Ponto de Partida (Grupo Teatral) e Coral da Ir. Míria Kolling.