segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O narciso e o substituível


Do sistema máximo das expressões do mundo coorporativo: "ninguém é insubstituível" ampliou-se a praga da reificação de pessoas que assola nossos dias. A bestialização do humano é um risco cotidiano ao staff das empresas. O trabalhador performatiza o brinquedo ao jogo frio de um esporte radical de substituição de pessoas muitas vezes por alguém mais barato - economicamente viável - ou disposto ao sacrifício porque traz qualidades de ser excessivamente manso e diplomático tal qual o jumento dos Saltimbancos de Sergio Bardotti e Luis Enríquez Bacalov. Chamo este profissional de amenzista: aquele que diz "amém!", "concordo!", "é pra já, senhor!" para quase todas as coisas no seu círculo ativista ou profissional. De maneira semelhante ao personagem, se a carcaça ameaçar rachar podem sobrar coices pra todos os lados, pois todo ser extravaza suas crises, vezes explodindo ou implodindo. Na maioria das vezes o amenzista adquire um grau superior de subserviência transformando-se no profissional saco-de-porradas. São estes mesmos que acreditam estar desenvolvendo a carreira mas, na verdade, podem estar apenas afirmando uma produção subjetiva reificada.

Mas quem inventou a frase ameaçadora do insubstituível? O guru da auto-ajuda empresarial, algum líder militar disponível a morrer por nós? A viúva que conquistou um marido novo? Quem elaborou o "ninguém é insubstituível"?

Edson e sua lâmpada, Lavoisier e sua banheira, Galileu e sua prensa, Einstein e seu átomo, Tom e sua harmonia. Insubstituíveis.
Por que o contexto dramático da ação substituir? Sim, logo que a substituição faz uma higiene na memória, no rastro, na representação da pessoa. De fato o jogo de interesses coisificistas se justificam pelas coisas e menos pelas pessoas. Os apelos sobre as coisas são maiores que a vontade pelas pessoas. As pessoas se diminuem em função das coisas, mesmo se for diante de um objeto de pouco valor. Não se espera nem mais riquezas que esmaguem as pessoas a troco do esplendor, o que se deseja mesmo são apenas coisas, de pequenas a médias. Os acessoriozinhos e aparelhinho que todos estão consumindo, das celebridades e do comercial da TV. Lucros pequenos justificam a seleção das pessoas, é preciso sempre algo mais rentável, maior, imenso com menos esforço, menos pessoas, não importa como. Lucros grandes, pessoas pequenas. Parece que as coisas ganham definitivamente a vez sobre o valor da pessoalidade. A antropofagia branca, menos sangrenta que as histórias de Hans Staden. Ao invés de assar as pessoas e comê-las, as empresas cozinham-lhes os nervos, a psique, as emoções até o ponto de produzir frangalhos humanos. Essa criatura destruída se vê como um arauto do sucesso e do projeto carreirístico do valor capitalístico. Diferente do sistema de organização e administração de vínculos dos poderes públicos com suas agendas confortáveis de trabalho e períodos extensos de recessos para dar repouso à mente fatigada do parlamentar, do juiz, do governo, dos empregados federais que não podem ser substituídos a revelia em prol do lucro nacional. O estado é uma mãe, o mercado é a dona do puteiro.

Visualizo e considero pessoas insubstituíveis, momentos insubstituíveis, dores insubstituíveis, experiência insubstituíveis.

No panorama onde qualquer um pode ser substituído por outro chega-se ao ponto fatídico da nulidade até a regressão nadista do valor da pessoa. O ponto ápice da cultura desvalor. Nestas circunstâncias nada tem a importância que se possui, salvo a coisa imaterial em si evocada em números, no problema lucrativo. Já fomos apresentado pessoalmente ao Senhor Dow Jones que mede o índice das bolsas ou vimos esse cálculo ser feito matematicamente pela equipe que o desenvolve?

O que existe é o desejo de acumular poderes financeiros sem nenhuma medida de suportar o grau improvável de gastar pessoalmente a grande soma acumulada e que ficará acumulada. Acumula-se nos bancos para negócios futuros que talvez nunca acontecerão. Os ricos gastam pouco. Os grandes empresários temem o risco de suas empresas frente a fatores limites de crises. Eles vão morrer antes de torrarem ao menos 20% de toda fortuna. São narcisos capitais. Lambem-se diariamente afagando seus egos com as consultas diárias de rentabilidades financeiras e se observam em todos os ângulos no espelho de suas planilhas de acúmulos econômicos. São ídolos financeiros de si mesmos. As instituições sem rosto, as sociedades anônimas, são egocistas de um corpo sem órgãos, que tem vida própria alheia ao humano. Numa visão caricata é a Matrix dos irmãos Wachowski, uma imensa máquina com vida própria concebida no paralelo humano, feita a partir das idéias do homem e controladora do próprio homem. E o giro do planeta é um esforço continuo da natureza que justifica cada vez mais a saúde dos mercados mesmo que esse preço custe acabar com o homem e com a mais profunda de sua transformação: a pessoa. É uma ocupação radical da não-natureza sob o plano frágil do ser humano que precisa respirar e consumir alimentos para viver. O mais paradoxal é que o homem ao passo que é autor dessa fábrica fantasiosa, desse monstrengo alheio e subjetivo feito falso espelho para os narcisos e suas organizações não consegue acompanhar os problemas gerados por essa máquina. É o humano que sobrevive e deseja o sonho irreal do consumo super-herói que se pensa indiferente aos problemas cotidianos e para eles distantes, tais como: aquecimento global, explosão demográfica no mundo e ascensão bestial da violência nos grandes centros dos países em desenvolvimento. Temas ridículos para as mentes frias e empreendedoristas. São os mesmos autores de sonhos cujo panorama é a mais cínica fantasia de que nada de ruim está de fato acontecendo enquanto os balanços financeiros não revelarem nenhuma derrota. Ninguém importa mais que as finanças digitais. Todos podem ser substituídos, menos os números.

Um comentário:

Mai disse...

Seu coração tem HD? O disco está cheio?
Deseja substituir o arquivo já existente?
É em nome do sistema...Esse ser multinacional que tomou forma terceirizada desconhecida. Convivemos enquanto partícula mínima com a contradição de ser massa que opera a máquina e sensibilidade que a desestabiliza.
O fardo da culpa, o qual fomos educados a negar, exige que distanciemos o foco da responsabilidade para esse ser etéreo que julgamos desconhecido: o sistema capitalista, o sistema técnico, o sistema de valor...
A grande empresa não é apenas instituição trabalhista. Somos micro-entidades pessoais da corporação, cujos corpos foram caramelizados com calda de ganância e coberta com flocos crocantes de (u)topias diárias producentes do desejo de resistência.
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Como substituir a produção em série e as lojas de departamento e garantir o alto padrão de qualidade uniformizado que nós mesmos exigimos nos call centers?
Disque 1, para:
A saída é tomar uma cerveja
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Um mundo melhor é possível
3, para:
dicas simples para uma vida social sustentável e politicamente correta
4, para falar com uma de nossas atendentes.
Desculpe, mas o sistema está fora do ar.

Te arme com a espada e o escudo cavaleiro do apocalipse.
Um beijo binário de composição infinitesimal, com combinação exclusiva e explosiva.
Adoro te ler ao quadrado fractal.