terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Das formas do ardido.

Pessimismos, alardes,
blogs trans-agressivos e Mainardis.

Ao ler alguns de meus textos, talvez, a opção mais óbvia seja a inclinação crítica para julgá-los como radicais. É ululante. Tais como aqueles esporros periodistas dados por Diogo Mainardi na revista Veja onde coloca o presidente na privada, os discursos arrasadores dos apresentadores das Tribunas do Povo nas televisões ou enfrentando os naufrágios da nação no discurso cáspio de Arnaldo Jabor e tantos, tantos outros. Nietzsche, em sua compilação de Ecce Homo, divagando sobre seus escritos aforistas em Menschliches, Allzumenschliches – Humano, Demasiado Humano - , relata que não vai ser mais um espanta moscas, não quer, não precisa, e, no entanto não se contenta em deixar de fazê-lo em uma só linha antes, durante ou depois.

Serão mágoas, carências, afetações, recalques, perturbações? Será que a professora na infância deixou de castigo na frente de todo mundo ou será que é mal amado? Será que é amargo ou será que é infeliz?
Qual é a do chocolate amargo? Café combina com muito doce (ou com algum)? Precisa adoçar o suco de laranja? Se a metáfora gastronômica for falaz, uso outra: você aperta uma mão suja?

Vemos que tudo ou qualquer coisa nesse mundo tem o seu lugar. Não significa que qualquer tudo pode caber no meu lugar. As vezes o meu grande lugar são entrelinhas, arrasadoras ou adulantes. As vezes são duas toneladas, outras peso-pena. Depende.

Existe genialidade na indústria cultural para as massas. Mas também é possível perguntar se essa indústria cultural existe. Será que toda produção cultural não é industrial sob as mesmas matrizes culturais. Matrizes culturais? O processo de subjetivação que decorre dos produtos de massa tem um rosto esquisito para mim. Não disse odioso. As vezes se gosta mesmo do esquisito. Ama-se. Outras vezes se acha patético.

Enquanto o axé toca por ali longe de mim, me devoto a outras alegrias, talvez clandestinidades. De repente, um cachimbo. Ôpa, uma bola na boca do cachorro.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A Dama da América Latina


















Sob um poncho vermelho solta os braços,
lentamente, para abrir o estrondo da voz.

Mercedes Sosa em apresentações pelo Brasil, nesta seara dos confins de 2008 é algo para não se perder. Nunca. Tem que gostar da voz telúrica, enrouquecida e calorosa da musa de 73 anos.
O espírito da América Latina em vibratos profundos e cortantes. Por trás de sua aparição, a América Latina sujeito, experiente com a carga de quem já passou por marchas de sangue e glórias. Marchas de sangre de los etudiantes. Histórias que o Brasil conhece pouco, logo que, sempre se mantém longe e absorto em outros caos.


Aqui em Salvador, no Teatro Castro Alves, com uma platéia barulhenta - não há preparação para aquilo que ressoará como trovão – a apresentação litúrgica, sacra para o tambor de Mercedes, no ribombo do canto em catársico texto. Alegre é lúgubre.
O baiano fala muito, barulha demais, sem pretexto, exórdio, sem paz. Trajam, as mulheres, vestidos horríveis cheios de lantejoulas e se perfumam para o nada. O calor desgraçado do TCA sinaliza a necessidade do declínio que se aproxima. E em minha cabeça Mercedes começa a cantar. A espera também é nada. O peso é a comunidade baiana. Mas a Dama virá. Guiada por dois acólitos vem sentar-se em sua cadeira amplamente ovacionada depois de 15 anos sem vir a Bahia. Finalmente os soteropolitanos se calam. Senta serena e dá-nos as graças de estar em Salvador da Bahia. Abre o canto e depois de umas 2 canções larga Gracias a La Vida e a platéia acolhe saindo do sufoco de uma década e meia.Canta María Elena Walsh, Violeta Parra, Ariel Ramirez, Armando Tejada Gómez Y César Isella até recair numa das melhores coisas do cancioneiro brasileiro: Milton Nascimento mesmo.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.
Volver a Los 17 – Violeta Parra

Não sei o quanto cansativo é ler sobre Mercedes a partir do que sinto. Mas é chato universalizar minhas sensações e descrever de acordo com a possível transparência de todos.
Eu estive dentro de uma redoma naquele canto latino, na verdade sempre estou quando a ouço.
Não temos vozes femininas expressivas no Brasil e a maioria das cantoras, cantadeiras e cantrizes parecem desconhecer o que seja o ofício. A pulsação que dá a voz o conceito,
a metafísica. Entre grunhidos e solfejinhos afinados, ouvimos, em grande parte, sons de barzinhos em vozes resquícios bossanovistas e modismos “mais nada novo sob o sol”. Desculpem. Entre estas estão Adriana Maciel, Paula Toller, Adriana Calcanhoto, Zizi Possi, Rosa Passos e o clubinho musical de categoria bairrista baiano sem sal de Márcia Castro, Vânia Abreu, Mariene de Castro e sem número de iguais. Desculpem. E as vozes banda baile de Ivete, Cláudia Leite, Daniela Mercury - carretel de mulheres estandarte de pernões que só cantam porque tem pernas bonitas pois se tivessem cambitos iriam arejar na ninguendade. Tão diferentes das vozes universais e apoteóticas das nem tão bonitas Dulce Pontes, Maria João, Mercedes Sosa e Edith Piaf. Elis já morreu. Ao posto sobejam Maria Betânia e Mônica Salmaso. A filha da Elis é uma piada marqueteira. Todas vozes bonitinhas, mas cantoras?


O poncho rubro que reveste a Mercedes ressalta um armorial vivo e é preciso entender porque trata-se de uma Dama da América Latina. La Negra, como foi nomeada pelos argentinos, por conta dos cabelos negros e escorridos, é a expressão artística da abolição contra as tiranias que mancharam a América em meados do séc XX. Seu repertório é ideológico. Repugna o imperialismo norte-americano (não a cultura americana), consumismo e as diferenças sociais massacrantes. La Negra colocou em seus palcos os caminhos peronistas que aderiu durante toda a vida com canções imponentes que dizem aos governos para viver os interesses do povo, em que só existe uma classe de homem: os que trabalham. Seus braços são as forças sociais pela e para a sociedade e os únicos privilegiados são as crianças.


Meu ceticismo e radicalidade, exagerados, justificam-se pela penumbra contralto sustentada no tambor e força musical daquela Dama. Não tenho outra expectativa senão contradizer meu país e suas aberrações artísticas de auditório, onde trafegam parcas expressões viscerais. Paro por aqui. Nada mais é possível de ser dito pois meu texto ficou trancando. Deve ser pela decepção. Deixe-me ver o que tem para ver na cidade por esses dias. Não melhor não, melhor ficar aqui no meu canto, em minha casa pinicando ao violão Canción para Carito. Vai que dissolvo meu desgosto porquanto meu recanto vira uma fenda castelhana.

Andando solo
Bajo la llovizna gris
Fingiendo duro
Que tu vida fue de aqui
Por que cambiaste un mar de gente
Por donde gobierna la flor
Mira que el rio
Nunca regalo el color.
Canción para Carito